Jornal Novo Tempo

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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

À caça de bons negócios

 As Capivaras
Editora Globo
A carne de capivara está entre as mais vendidas pela Cerrado
Ele bem que pensou em desistir algumas vezes. Afinal, desbravar um mercado ainda pouco explorado no país não parecia tarefa das mais fáceis. A insistência de Gonzalo Barquero, no entanto, vem surpreendendo chefs de cozinha, consumidores e grandes companhias, que agora buscam se aliar à Cerrado Carnes de Caça, negócio fundado pelo empreendedor para comercializar a carne de animais silvestres.

Interessado em produção animal, ele foi estudar o tema na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, em 2001. “Saí de lá com vontade de voltar para o Brasil e ser fazendeiro”, conta Barquero. Filho de porto-riquenhos e também bastante ligado às questões de preservação ambiental, ele se envolveu com um projeto de conservação do veado-de-cauda-branca por lá. Até que o pai viu uma reportagem sobre a superpopulação de capivaras no Brasil e Barquero voltou. A ideia era replicar o trabalho de controle dos animais em áreas urbanas que desempenhava na América com os bichos brasileiros. Conheceu criadores e pessoas do ramo e se apaixonou pela conservação, mas, dinheiro que é bom, nada.

“Não tinha ideia do que poderia fazer ainda. Voltei para os EUA para estudar mais sobre reprodução e manejo de animais silvestres e, de volta ao Brasil, montei uma ONG voltada para a conservação das espécies. Foi aí que aprendi muito sobre o tema.” Conversando com os pais do amigo de infância Roberto Salles Machado, hoje sócio e diretor comercial da Cerrado, a empresa tomou forma e eles iniciaram os contatos com os criadores de paca, cutia, cateto, queixada, capivara e javali. “Percebemos que esses produtos faltavam no mercado. Teríamos um concorrente direto apenas. Era só investir e insistir que teríamos retorno”, diz Barquero.


Editora Globo
Para os chefs de cozinha, as carnes de caça como a do cateto são versáteis e têm boa aceitação

CARNE DE PRIMEIRA
A barreira a vencer era o preconceito de que carne de caça é ruim. “Se a criação e o preparo forem bem-feitos, não há dúvidas de que são muito nobres.” Para legitimar o valor das carnes, ele procurou chefs de cozinha para vender diretamente aos restaurantes. Segundo o empresário, no início, os cozinheiros, cansados de experiências malsucedidas, faziam uma série de perguntas, como, por exemplo, se ele poderia garantir o fornecimento. Com as questões na cabeça, buscou parceiros que estivessem de acordo com as normas ambientais e pudessem produzir do jeito que ele e o sócio queriam. “Nós levamos as carnes para os chefs experimentarem e eles diziam o que poderia ser melhorado. Se a carne estava um pouco mais rígida ou intensa em excesso, então mudávamos a alimentação – composta de capim, milho e, em alguns casos, frutas e tubérculos – e o tempo de abate. O sabor da carne está quase 100% ligado à alimentação.” Hoje, a Cerrado está nos principais restaurantes do Rio de Janeiro e de São Paulo, além do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Brasília.

A chef Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, comemora a chegada das carnes de animais silvestres no mercado. “É um ingrediente versátil, muito saboroso e delicado. Fiz o cateto e o prato teve uma aceitação muito boa. Antes, não havia encontrado um fornecedor que me entregasse em escala de restaurante. Agora, consigo fazer outras opções especiais durante o ano”, explica.

O famoso açougue Porco Feliz, instalado no Mercado Municipal de São Paulo, vende os produtos a preços de causar inveja a qualquer bovino. O proprietário José Gaspar conta que chega a comercializar até 1,5 tonelada por mês e o quilo desses animais fica entre R$ 52 (javali) e R$ 270 (paca).


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Gonzalo Barquero (à esq.) e o criador Carlos Cicilato estão animados com a preservação e os negócios

ODEBRECHT
Desde o início da Cerrado até o momento, o negócio soma R$ 1 milhão em investimentos e a produção total é de 2 toneladas por mês de carnes, com expectativa de crescimento de 5 toneladas em três anos. O crescimento entre 2011 e 2012 é de 150% e parceiros como a Empreendimentos Agropecuários e Obras (EAO), do Grupo Odebrecht, estão buscando a empresa. A EAO investe na criação de pacas, o animal mais nobre do portfolio de Barquero, e procurou o empresário para entrar no mercado. “Fui até lá ver como os animais eram criados, fizemos algumas adaptações e testes e agora fechamos negócio. A paca é difícil de criar, porque a gestação é longa e a engorda do filhote também.” Com o negócio, a Cerrado triplicou o volume que comercializa. “Com eles, eu tenho 500 matrizes, antes tinha apenas 200 com meus produtores”, comenta Barquero, que trabalha com 40 fornecedores.

Embora a paca seja o animal mais caro, as carnes mais vendidas são a de javali e a de capivara. Criá-las também não é simples, mas começa a valer a pena. Carlos Eduardo Ciciliato é produtor desde 1998 na propriedade em Indaiatuba (SP), onde cria capivaras e catetos. “A manutenção dos recintos, a alimentação dos animais e a medicação encarecem a produção, mas a demanda está chegando”, diz Ciciliato, que também é conservacionista e tem outros animais no lugar. Ele promove uma criação sustentável, adaptando os recintos para diminuir o estresse dos animais, além de reflorestar a área, para melhorar o ambiente.

A caça é proibida desde 1967. A concessão de licença para produção é fornecida pelos estados desde a Lei Complementar 140/2011. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quando os processos estavam com o órgão, demoravam entre seis meses e um ano para a aprovação. Ciciliato, no entanto, fala que aguarda autorização para a criação de catetos há três anos. “Essa é uma das dificuldades, mas acredito que, com a demanda, isso vai melhorar. Nós gostamos de preservação e o criadouro aponta para uma nova direção. Será possível sustentar a conservação das espécies com a criação e venda dos animais silvestres”, comemora.

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